Por Andre Stankunavicius, Consultor Sênior em Prevenção de Perdas, GAPS, Brasil
Em São Paulo, um incêndio dilacerou um depósito de alimentos de uma multinacional. Mais de 100 bombeiros combatiam as chamas alimentadas pelo vento ao mesmo tempo em que lutavam com um hidrante que jorrava água em baixa pressão. Antes do término do incêndio, metade da construção ruiu, destruindo 20.000 metros quadrados de instalações e 12.000 toneladas de alimentos.
Em outro incidente, uma pequena faísca em uma esteira de transporte ateou fogo em outro armazém de São Paulo, gerando uma torrente de açúcar derretido – 30.000 toneladas – que escorreu para estradas e vias navegáveis. Peixes morreram de asfixia em um raio de cinco milhas e os moradores precisaram fazer barricadas com sacos de areia e entulho, para impedir que o açúcar derretido os prendesse dentro de casa. Três dias depois, os bombeiros ainda estavam lutando contra esse incêndio.
Um incêndio no depósito de um supermercado em Minas Gerais acabou se espalhando na vizinhança, composta por um bairro residencial e áreas de matas, antes que bombeiros, policiais militares e voluntários locais fossem capazes de controlá-lo. Milagrosamente ninguém morreu ou foi gravemente ferido.
Entretanto, no Rio Grande do Sul, um incêndio em uma boate abalou não só o país, mas todo o mundo, com a morte de 242 estudantes e trabalhadores em meio a uma neblina de confusão e ao pisoteamento causado pela busca frenética pela única saída daquele lugar.
Os perigos
Todos esses casos são reais e aconteceram recentemente, chamando a atenção para a colcha de retalhos das normas de segurança contra incêndios existentes em todo o Brasil. A causa, na maioria dos casos, foi um simples curto-circuito.
Todos esses incidentes também mostraram quão rápido um incêndio pode consumir até mesmo uma estrutura maciça. Testemunhas na boate confirmaram que as chamas e o consequente caos se espalharam em apenas três minutos depois da ignição. Na verdade, há testes que comprovam que uma pequena faísca em materiais combustíveis pode crescer até um incêndio colossal de 10 metros em apenas um minuto.
A tragédia no Rio Grande do Sul, em especial, está levando a uma reavaliação dos materiais de construção. Como as empresas de construção buscam seguros para seus novos projetos, está se tornando claro para as seguradoras que muitas dessas empresas estão fazendo a transição para materiais não combustíveis. Isso é um bom começo e faz parte de um movimento mundial.
Apesar disso, o fogo continua a ser a ameaça número um a propriedades. Os desastres catastróficos que chegam às manchetes não devem obscurecer o custo maior de um incêndio grave que, embora não tão dramático como os exemplos acima, ainda pode resultar em danos significativos. Segundo a Associação Brasileira de Sprinklers-ABSPK, 1095 incêndios significativos ocorreram só em 2013 – 342 edifícios comerciais, 216 em armazéns. Note-se que o Brasil ainda não tem um sistema nacional de comunicação de incidente de fogo; estas são, portanto, apenas estimativas e, provavelmente, estão subestimadas.
Além disso, muitas empresas no Brasil estão acostumadas a seguir as normas locais, que são menos restritivas e variam de uma região para outra. Muitas vezes, os padrões locais não exigem sprinklers para instalações de alto risco e, quando o fazem, a quantidade de equipamentos e de abastecimento de água pedida pode basear-se em versões mais antigas das orientações da National Fire Protection Association (NFPA), ao invés das diretrizes internacionais mais recentes. Como resultado, muitas empresas têm aceitado prêmios mais elevados de seguros, bem como a ocorrência de danos ocasionais causados pelo fogo, como simplesmente uma parte dos custos do negócio.
No entanto, a maré está virando – e por duas razões.
Potencial de perdas significativas
Em primeiro lugar, a visibilidade pública dos recentes casos trouxe à tona tanto a ameaça à vida como as perdas financeiras punitivas infligidas por grandes incêndios.
Os custos de um incêndio excedem de longe o mero reparo ou substituição da propriedade; os danos ao patrimônio são geralmente apenas uma parte do quadro geral. Quando uma fábrica é destruída ou danificada seriamente, os negócios podem não ser retomados em até pelo menos seis meses, enquanto a estrutura e equipamentos especiais são reconstruídos. Tais custos de interrupção das operações podem resultar em prejuízos da ordem de dezenas de milhões de dólares, causados tanto pelas vendas perdidas durante a fase de recuperação como pelos clientes que migram para os concorrentes.
Depois há os custos de responsabilidade civil. Embora felizmente as mortes sejam incomuns – mortes causadas por incêndios no Brasil estão em um patamar relativamente baixo de 0,9 por 100.000 pessoas – as lesões, infelizmente, não são. Ferimentos causados por incêndios muitas vezes são graves, exigindo indenização por incapacidade no curto ou no longo prazo.
As empresas também podem ser responsabilizadas por perdas de terceiros, como os custos de relocação ou de reconstrução dos moradores das casas das proximidades que tenham sido danificadas.
Em um futuro próximo, os custos de limpeza ambiental também precisarão ser considerados. O Brasil, como muitos países, está trabalhando no sentido de implementar plenamente o princípio do “poluidor-pagador”. Isso significa que uma empresa que cause danos ambientais, seja como resultado de um acidente ou de negligência, é responsável por todos os custos necessários para reparar tais danos e para restaurar o ambiente ao seu padrão “original” tanto quanto possível1. Por exemplo, após um incêndio em um centro de distribuição de combustíveis, uma empresa brasileira foi multada em milhões de dólares para cobrir os danos ambientais causados pelo despejo de água contaminada no mar e em cursos de água próximos. Esses custos, é claro, estão no topo das despesas significativas necessárias para reconstruir as instalações, bem como aquelas para compensar as empresas e indivíduos das proximidades que foram afetados pelo fogo.
“Luz amarela” na economia brasileira
As empresas no Brasil já não podem se dar ao luxo de fazer apostas com riscos de incêndio. Pelas razões descritas acima, as empresas não podem bancar uma suspensão dos negócios por causa desse tipo de evento.
Empresas, incluindo varejistas e operadores de armazéns e depósitos, estão se esforçando para alcançar o crescimento máximo, solicitando às seguradoras internacionais níveis mais altos de capacidade de transferência de risco (espera-se para o mercado local de seguros patrimoniais um crescimento de quase 10% apenas em 2015, dizem especialistas do setor). Essas seguradoras oferecerão prêmios razoáveis, mas apenas se as empresas atenderem a padrões internacionalmente reconhecidos de proteção contra incêndios e prevenção de perdas.
Quando as seguradoras percebem uma lacuna nas normas de proteção ao patrimônio, elas elevam os prêmios e restringem a cobertura, ou negam a cobertura por completo, especialmente se elas já pagaram indenizações pesadas por conta de incêndios naquela indústria em particular.
Um novo paradigma de prevenção de perdas no Brasil: é um investimento, não uma despesa
Como empresas de outros países aprenderam, existe uma abordagem melhor para gerenciar e mitigar riscos de incêndio. Em primeiro lugar, o exaustivo levantamento de mais de 100 anos de dados mostra que quase todos os incêndios são evitáveis. Além disso, as soluções disponíveis hoje são altamente eficazes em termos de custos.
A Associação Britânica de Sprinklers de Incêndio Automáticos (BAFSA, na sigla em inglês) relata que, desde o advento dos sprinklers automáticos, apenas 50 pessoas morreram em todo o mundo em edifícios com sprinklers operacionais. Esses sistemas reduzem significativamente o risco de que um pequeno incêndio torne-se rapidamente um desastre grande, caro e com impactos de longo alcance.
No Brasil, um sistema de sprinkler vai custar cerca de 12% do valor total de construção de um novo edifício. Embora esse percentual seja consideravelmente mais elevado do que na América do Norte ou na Europa Ocidental, ainda assim é tipicamente um custo que ocorre uma só vez, ao passo que o sistema que ele gera vai durar tanto quanto toda a estrutura predial. Esses custos também devem diminuir, talvez de forma significativa, à medida que o mercado de sistemas de sprinkler se fortalece e ganha fornecedores locais. Quando passamos a considerar também a redução nos prêmios anuais de seguros patrimoniais, o prazo de “retorno” para a instalação de sprinklers também pode ser colocado na equação, tornando esta uma solução de custo eficiente em termos de mitigação de risco nos próximos anos.
Implantando uma proteção patrimonial mais poderosa
A política nacional de proteção contra incêndios não é iminente em um país tão grande e diverso como o Brasil. No entanto, a necessidade de proteger um número crescente de grandes propriedades e empresas vai manter a tendência em direção a medidas mais fortes de proteção contra incêndios e prevenção de perdas.
Os engenheiros de risco podem ajudar as empresas a avaliar seus riscos patrimoniais e tomar as medidas mais práticas e econômicas para proteção contra incêndios e outras perdas. Quando contabilizado, esse pequeno investimento gera grandes retornos.
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