Inteligência artificial ajuda a prever incêndios florestais

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Nos últimos anos, os eventos climáticos extremos vêm se intensificando em escala global. O cenário aumenta a demanda por sistemas avançados de alerta que ajudem a minimizar os impactos desses desastres. Pesquisadores da Coreia do Sul e dos Estados Unidos trabalham, juntos, na criação de um modelo que une inteligência artificial (IA) e dados convencionais de previsão do tempo para fornecer esse serviço. A tecnologia informa se há risco de ocorrência de incêndios florestais em até sete dias. Por enquanto, foi testada apenas nos Estados Unidos, mas os criadores apostam em um uso bem mais ampliado.

“No futuro, poderá ser aplicada a outros tipos de condições climáticas extremas ou em outras partes do mundo. A flexibilidade do nosso método de IA pode ajudar a prever qualquer recurso relacionado ao clima“, afirma, em nota, Philip J. Rasch, da Universidade de Washington e coautor do estudo que apresenta a solução tecnológica, divulgado, recentemente, no Journal of Advances in Modeling Earth Systems.

Os autores enfatizam que as previsões de risco de fogo são difíceis de serem feitas porque envolvem fatores complexos: condições climáticas, interações com a vegetação e componentes socioeconômicos. Na pesquisa, liderada pelo Instituto de Ciência e Tecnologia de Gwangju, eles conseguiram otimizar as previsões aplicando algoritmos de aprendizado de máquina em sistemas meteorológicos convencionais.

 

Modelo CFS

 

Para isso, o grupo usou um modelo americano de previsão numérica do tempo chamado Climate Forecast System (CFS) — que usa dados matemáticos da atmosfera e dos oceanos — aliado a um algoritmo de aprendizagem profunda. De acordo com o estudo, o CFS oferece um conjunto de dados meteorológicos completos e consistentes ao longo de um período de 29 anos. Chamado Super Resolution (SR), o algoritmo foi treinado com informações do CFS referentes a sete anos.

Jin-Ho Yoon, um dos autores do artigo, explica que a tecnologia de IA já está disponível no mercado e, como o nome sugere, foi escolhida para aumentar a qualidade das imagens obtidas e permitir uma análise mais apurada, fornecendo detalhes de áreas menores “Você pode encontrar essa IA em aplicativos do seu smartphone”, exemplifica.

O que faz a diferença, portanto, é a combinação dos recursos, enfatiza o pesquisador do instituto coreano. “Ao aplicar o algoritmo, conseguimos produzir uma resolução muito alta e uma previsão do índice climático de incêndio muito melhor, que é um índice amplamente usado para o perigo de incêndio florestal.”

No caso da previsão, a referência quanto à melhora se deu por meio do índice Fire Weather Index (FWI). Trata-se de um sistema de classificação numérica que usa informações meteorológicas — temperatura, umidade relativa, velocidade do vento e precipitação das últimas 24 horas — para estimar o risco de queimadas florestais. Quanto maior o FWI, mais favoráveis são as condições para a ocorrência de um incêndio.

 

Imagens detalhadas

 

Na avaliação de Daniel Pataca, diretor de Tecnologia e Inovação do Instituto Brasília de Tecnologia e Inovação (IBTI), o método criado possibilitou inúmeras melhorias, como a redução do alcance das imagens de aproximadamente 90 para 4 quilômetros. O resultado, afirma, ajuda profissionais no gerenciamento e na supressão das chamas. “Consegue-se uma previsão da possibilidade de incêndio em uma área bem menor, o que facilita no combate ao fogo“, explica.

Pataca também conta que os sistemas de previsão disponíveis não fornecem prazos de entrega úteis o suficiente para o gerenciamento dos riscos e das possíveis consequências de incêndios. “Com o novo sistema, isso foi aprimorado para uma faixa de até sete dias, o que ajudará na alocação de recursos, que não é feita de modo repentino”, enfatiza.

Para avaliar o desempenho da solução tecnológica, o grupo testou o sistema nos condados de Mendocino e Butte, na região oeste dos Estados Unidos, em um intervalo de dois anos — o experimento se deu durante as épocas em que as queimadas ocorrem com maior frequência, de junho a novembro. Os pesquisadores levaram em conta critérios geográficos para avaliar o risco do fogo, como a temperatura registrada nas áreas nos dias anteriores e o registro de ventos fortes e a baixa umidade.

Uma das constatações foi a de que o método baseado em IA consegue fazer previsões precisas de alta resolução em um tempo mais curto e de forma muito mais econômica, quando comparado aos sistemas convencionais. A pesquisa demonstrou ainda que as previsões são extremamentes sensíveis ao vento — como a maior incidência de incêndios florestais se deu em áreas com rajadas mais intensas, foi mais fácil para a equipe chegar a essa conclusão. “No fim, eles descobriram que os dados climáticos dos dias anteriores e as condições do vento são fatores preponderantes na determinação do risco de queimadas”, esclarece Daniel Pataca.

 

Caixa-preta

 

Simon Wang, da Utah State University e coautor do estudo, relata que, embora os métodos de IA baseados em dados tenham mostrado excelentes recursos para inferir coisas, explicar por que e como as inferências são feitas ainda segue sendo um desafio. Segundo ele, isso levou a IA a ser rotulada como uma caixa-preta. “Mas quando a IA foi combinada com modelos de computador baseados em princípios físicos, pudemos diagnosticar o que estava acontecendo dentro dessa caixa- preta”, diz.

Chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Luiz Aragão acredita que o projeto é importante justamente pelo avanço computacional. “O ponto principal é introduzir técnicas avançadas de computação para melhorar a previsibilidade dessas condições relacionadas aos incêndios florestais”, diz. Aragão explica que a maioria dos sistemas convencionais não utilizam IA para realizar as previsões, o que os leva a depender do conhecimento empírico relacionados a esses processos. “Com a introdução da IA, esses algoritmos conseguem ir aprendendo ao longo do tempo, de acordo com a ocorrência desses eventos, e refinar essa análise.”

Diante do sucesso dos resultados com o método avançado de previsão de incêndios florestais, a equipe de pesquisadores da Coreia do Sul e dos Estados Unidos se viu diante de uma nova questão: o modelo tem potencial para ser usado na previsão de outros desastres naturais em distintos locais do mundo? “O nosso método pode ser utilizado em diferentes regiões e estávamos tentando aplicá-lo a outras áreas”, adianta Jin-Ho Yoon, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Gwangju.

Luiz Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), também acredita que, como a tecnologia se baseia em um algoritmo de aprendizagem profunda, ela tem potencial para ser utilizada em outros lugares, inclusive para prever eventos em biomas brasileiros, como a Floresta Amazônica e o cerrado. “Desde que sofra adaptações para ser aplicado com sucesso no Brasil, levando em conta as particularidades daqui”, pondera.

Aragão ilustra que, no cerrado brasileiro, as queimadas estão atreladas a componentes humanos, o uso agrário, por exemplo, e não dependem exclusivamente do clima, como o observado no oeste estadunidense. “É necessário uma alteração de forma que consiga acomodar essa variável relacionada ao uso da terra influenciando na ocorrência de fogo”, indica.

 

Acessível

 

Apesar de ainda estar em fase experimental, o grupo de pesquisadores justifica, no artigo, que o projeto é ajustado em função dos dados obtidos. Na avaliação de Aragão, dentro do arcabouço metodológico construído, é possível buscar outras variáveis que estejam associadas a eventos climáticos extremos. “Então, pode-se adaptar esse método para diferentes aplicações, como enchentes e deslizamentos”, ilustra,

A redução de custos com a nova metodologia é outra característica que pode facilitar o uso da tecnologia por outros países. “Embora recursos computacionais comparáveis tenham sido necessários no estágio de desenvolvimento, uma vez que a tarefa de treinamento para a IA foi concluída, ou seja, realizada pela primeira vez, levou apenas alguns segundos para usar esse componente com o modelo de previsão do tempo para produzir prognósticos para o restante do temporada”, detalha, em nota, Kyo-Sun Lim, também autor do estudo.

 

Fonte: Correio Braziliense

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