A força e a resistência feminina na linha de frente do combate a incêndios florestais

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Nas brigadas voluntárias ou como bombeiras, elas comandam grupos de homens no enfrentamento às chamas

Em 2020 o Brasil praticamente ficou em chamas. Dos Pampas gaúchos à Floresta Amazônica, os incêndios destruíram grande parte das reservas do país. E a situação não foi pior devido à ação de Brigadas Voluntárias e dos Corpos de Bombeiros dos Estados. Nesses grupos se destacaram mulheres que enfrentaram o fogo na linha de frente.

A capitã Luisiana Guimarães Cavalca, do Corpo de Bombeiros do Paraná foi comunicada no dia 14 de setembro do ano passado que no dia seguinte embarcaria para o Pantanal, onde milhares de hectares ardiam há semanas destruindo a vegetação e matando animais. Na época ainda com a patente de primeiro-tenente, ela iria comandar uma equipe de 32 homens entre bombeiros do Mato Grosso do Sul, brigadistas, pantaneiros, funcionários do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e do PrevFogo – órgão ligado ao IBAMA – e fuzileiros navais.

E a escolha para a liderança da equipe não foi por acaso. “Desde o Paraná em Flagelo, uma série de incêndios florestais que ocorreram no Estado em 1963 e que causaram uma tragédia sem precedentes, com mais de 100 mortes e 10% do território estadual consumido pelas chamas, o Corpo de Bombeiros paranaense participa de formações focadas em incêndios florestais”, lembra Luisiana.

A agora capitã – ela trocou de patente no fim de 2020 – tem no currículo o curso de prevenção e combate a incêndio florestal, pós-graduação em educação ambiental e, neste ano, conclui outra pós em prevenção e combate a incêndio florestal. “Minha vontade era ser salva-vidas, mas quando o Corpo de Bombeiros do Paraná começou a aceitar mulheres em seus quadros, a partir de 2005, resolvi fazer o concurso para ingressar assim que terminei minha graduação em Educação Física”. Em seguida surgiu a oportunidade para Luisiana fazer o curso de combate a incêndio florestal. “Eram apenas quatro vagas e eu e meu marido, que também é bombeiro, ficamos com duas”, lembra.

Nos primeiros dias no Pantanal, o grupo liderado pela capitã atuou nos arredores de Corumbá, no Mato Grosso. “Depois fomos enviados para a Serra do Amolar, no Mato Grosso do Sul, um local sem energia elétrica e sem qualquer infraestrutura”. Foram 25 dias bastante intensos, longe dos dois filhos, Miguel de 5 anos e Sara de 2.

No comando da Brigada de Alter do Chão

Há oito anos como brigadista, Francisca Eloide Lima Chaves atualmente comanda a Brigada de Incêndio de Alter do Chão, no Pará. Enfermeira por formação e com curso de bombeiro civil, ela começou sua atuação na preservação do meio ambiente há 20 anos, em Brumadinho, Minas Gerais, onde via muitos incêndios na área rural. “Comecei ajudando, mas sem nenhum conhecimento”, afirma. Depois vieram alguns cursos de brigadistas.

Já em Alter do Chão veio uma nova oportunidade de fazer o curso de brigadista. “É um lugar com muita floresta, quilombos, indígenas e os incêndios são constantes”, afirma. Atualmente à frente de uma organização com 12 pessoas, com apenas duas mulheres, ela reconhece que há machismo no meio. “Mas por eu ser enfermeira, socorrista e bombeira civil acabei me impondo.”

Para Francisca, o pior momento que viveu como brigadista foi em novembro de 2019, quando a Brigada de Alter do Chão foi acusada de ser responsável pelo fogo na Floresta Amazônica. Quatro brigadistas, no dia 16 daquele mês, foram presos devido à acusação. “Nosso grupo é formado por indígenas e pessoas que, como eu, são de fora, ambientalistas que estão preocupados com a floresta e dedicam seu tempo livre para salvá-la.”

Apesar de terem sido libertados três dias depois, somente um ano depois os brigadistas foram inocentados. Durante esse período tinham que dar informações sobre seus atos para a Justiça.

De bióloga a brigadista

Em 2017, estimulada pelo colega de trabalho e presidente da Brigada 1, em Minas Gerais, Ana Carina Roque, fez o curso de brigadista e se descobriu em uma atividade que classifica como emocionante. “O Daniel Rocha já vinha me convidando para entrar na brigada, mas eu sempre adiava. Em 2016 cheguei a fazer a inscrição para o curso, mas não apareci”, afirma.

Formada em Ciências Biológicas, Ana trabalha na Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte. E conta que consegue conciliar a profissão com a atuação como brigadista. “Em um ano na Brigada 1 eu fui convidada para ser coordenadora de plantão.”

Mesmo exercendo um cargo de comando, Ana garante que nunca chegou a ter problemas, apesar de basicamente lidar com homens. “No início houve apenas uma pessoa que demonstrou certo descontentamento, mas no fim acabou acatando a decisão”. Mas ela critica a falta de instrutoras no curso para brigadistas. “Na Brigada 1 tem apenas uma mulher na função, que fez parte da fundação do grupo.”

Apesar de também trabalhar na linha de frente no combate a incêndio florestal, como bióloga ela destaca o trabalho de prevenção que desenvolve pela brigada. “Estamos sempre à frente de campanhas, atuando principalmente junto às crianças.”

Fotógrafa, artesã e brigadista

A vontade de Carolina Righetti Corrêa em estar no combate ao fogo era bastante antiga quando ela, fotógrafa, moradora de São Bernardo do Campo, decidiu se aventurar pelo Brasil como artesã. “Queria fazer algo diferente.”

Quando chegou à Chapada dos Veadeiros, em Goiás, foi morar em uma área de floresta no Vale Verde. “Numa noite começou a pegar fogo em um local próximo e nos buscaram para ajudar. Não tinha ideia do que fazer. Mesmo assim, passei a noite inteira com os brigadistas do IBAMA. Saímos às 20 horas e voltamos para a base só às 6 da manhã”, lembra.

Nesse dia ela trabalhou na logística, ajudando a transportar equipamentos, água e alimentos. “Por ter visto isso tudo de perto – as árvores queimando, os brigadistas fazendo contrafogo, antes tudo verde e na volta tudo cinza – interessei-me muito.”

Ocorreram outros combates e Carol descobriu, durante esse período, a existência da Brigada da Rede Contra Fogo, que atua em toda a Chapada dos Veadeiros. “Eles precisavam de gente e fui ficando, ganhando experiência”, recorda. “E no ano seguinte tive mais estrutura, pois a Rede Contra Fogo forneceu os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual).”

Para ela a maior dificuldade é conciliar seus trabalhos de obra e marcenaria com as atividades da Brigada. “É cansativo mas sempre dou um jeito de ir. E durante o combate tiro forças não sei de onde. Nesses dois anos superei meus limites de força física e mental.”

Carol entende que ainda tem muito a aprender. “Sigo os mais experientes. É um trabalho voluntário, então não estudo todos os dias. Mas o combate frente a frente com o fogo se tornou uma paixão.”

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