Edificações públicas enfrentam problemas com a prevenção de incêndios
Foto: Arquivo Pessoal
A maioria dos edifícios públicos não possuem Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros – AVCB, que atesta que a edificação possui todas as condições de segurança contra incêndio e pânico previstas na legislação. Se o possuem, ou estão vencidos ou o layout arquitetônico interno atual não corresponde ao projeto original aprovado pelo Corpo de Bombeiros na época. A afirmação é da engenheira Carla Neves Costa, professora do Departamento de Estruturas da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Campinas (Unicamp).
“Os ‘puxadinhos’ internos, os excessos de divisórias e as subdivisões internas dificultam a remoção dos usuários em alguma situação de abandono emergencial”, alerta a especialista, lembrando que muitos edifícios públicos são antigos, construídos antes da existência de legislação de segurança contra incêndio. “Alguns sequer possuem o habite-se, mas continuam a funcionar, porque foram para as mãos do Estado por meio de alienação de bens privados ou por concessão pública, antes da existência de legislação de segurança contra incêndio específica”, lamenta.
Nessas edificações os equipamentos e sistemas de prevenção estão aquém do necessário, e os que existem não recebem manutenção adequada, acarretando grande potencial para a ocorrência de um possível sinistro, de acordo com a engenheira. Muitos prédios possuem sistema de prevenção e combate a incêndio e pânico, mas com equipamentos defasados e insuficientes quanto às necessidades normativas, que não contribuirão de forma eficaz, no caso de qualquer ocorrência, para o alerta e evacuação de pessoas, para o combate ao fogo e para a preservação do patrimônio existente.
Na opinião de Carla, a ausência ou precarização das edificações públicas demonstra uma ausência da cultura da proteção contra incêndio no país. “A displicência é cultural, porque se o poder público negligencia na autotutela da proteção, de outro lado a clientela também não exige os sistemas de prevenção e, por vezes, vandaliza os meios de proteção, como por exemplo brincar com os extintores. E esses só são descobertos vazios nas vistorias dos funcionários da manutenção predial”.
Tratando-se da Segurança Pública, o número de vítimas da violência urbana é bem maior do que o número de vítimas por incêndio; a frequência de assaltos e roubos é bem maior do que a frequência de incêndios acidentais. “Assim, a administração pública acaba priorizando a destinação de recursos para o policiamento, em detrimento da segurança contra incêndio. Dos 645 municípios do Estado de São Paulo, apenas 178 municípios possuem ao menos uma unidade do Corpo de Bombeiros”, explica.
Universidades públicas também têm problemas
“Também estão a cargo da administração pública as universidades, que herdam a práxis dessa gestão econômica imediatista, de curto prazo”, afirma Carla. Ela lembra ainda que “as universidades públicas mais tradicionais ocupam edificações construídas antes da década de 1990. Algumas são tombadas pelo IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico e CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, ou ainda, estão em processo de tombamento”.
A administração pública universitária, lembra a engenheira, é ocupada por professores – embora renomados, com elevado know-how científico – experts em gestão científica, mas que nem sempre possuem uma formação em Engenharia, Arquitetura, Administração ou Direito para ter um olhar de gestão de riscos, segurança e afins. “Eles possuem a percepção padrão da sociedade no tocante à incêndio, ou seja, que é assunto da CIPA ou do Corpo de Bombeiros”, afirma. “Além disso, há uma ausência de cultura da proteção contra incêndio na sociedade que leva a essa letargia na absorção do conhecimento das leis recentes e na implantação”.
De qualquer forma, as universidades públicas com campi novos, edifícios mais novos, têm incentivado a participação de funcionários na brigada voluntária de incêndio, segundo a especialista. “Já os campi mais antigos, como a Unicamp, estão tendo assessoria do Corpo de Bombeiros para treinamento de funcionários de bibliotecas e laboratórios. Mas chamada ampla para treinamento de evacuação, educação informal, não existe. As ações ainda são fechadas a funcionários sem divulgação em qualquer ponto de ônibus dos campi”.
Na análise de Carla, essas ações estão ocorrendo por receio de perda de bens incalculáveis, tais como acervo bibliotecário – normalmente doado pela família de um cientista ou de um escritor falecido, como ocorreu em 2018 na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
Para ela, a melhor forma de salvar vidas e patrimônio é por meio de uma política de prevenção, que começa com o projeto técnico de segurança contra incêndio executado. “O investimento em meios de proteção, entre eles a brigada voluntária, é menor do que o dispêndio com os danos ao patrimônio e com indenizações”.
Carla conta que em algumas universidades públicas, como no caso da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, em Belo Horizonte, há unidade do Corpo de Bombeiros vizinha ao campus. “Em outras há acordos de cooperação mútua entre o Corpo de Bombeiros e a administração universitária para prover treinamentos aos funcionários públicos, principalmente aqueles que atuam em locais de risco elevado: grandes bibliotecas, laboratórios químicos, este é o caso da Unicamp que assinou um termo de apoio mútuo com o CBPMESP em 2019. A implementação foi suspensa devido à pandemia”, garante.
Ela lembra ainda que, em geral, não só as universidades públicas, mas também as universidades particulares não priorizam a segurança contra incêndio por meio de campanhas educativas que fomentem a participação de funcionários e de alunos nas simulações frequentes de abandono. “A diferença entre as universidades públicas e particulares está no fato de que as particulares colocam o patrimônio no seguro e as seguradoras exigem todas as medidas de proteção para redução do valor. Já as universidades públicas, e a maioria dos órgãos públicos, não possuem seguro patrimonial. Não têm seguradoras para incentivar o rigor no cumprimento da legislação e manutenção predial”.