Combate a incêndios em áreas rurais ganha mais eficiência com brigadas privadas e uso do Whatsapp
Cerca de 250 produtores de grãos e cana-de-açúcar da região sudoeste de Goiás contam com dois trunfos para o combate ao fogo em suas fazendas e nas matas, especialmente neste período de seca que vai até o final de setembro: as brigadas terrestres e aéreas. Criadas e mantidas por rateio pelos agricultores, as brigadas são coordenadas pelo Sindicato Rural de Rio Verde e foram fundamentais para o combate a pelo menos 15 focos registrados em dois dias (17 e 18 de agosto) na região.
Não é uma exclusividade dos goianos. Em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia brigadas privadas ligadas a entidades do agro e custeadas por agricultores também atuam, especialmente em meses de seca, quando o aparecimento de focos de fogo nas propriedades e matas é quase inevitável devido a algo que é chamado de “trilogia dos 30”: temperaturas acima de 30 graus, umidade relativa do ar abaixo de 30% e ventos acima de 30 quilômetros por hora.
Conectados
Vanderlei Secco, produtor de grãos e presidente da Comissão de Incêndios do Sindicato Rural de Rio Verde (GO), diz que a brigada terrestre é formada por cerca de 1.000 pessoas ligadas aos produtores da região, que estão conectadas por quatro grupos de WhatsApp divididos por microrregiões. Elas atuam nos focos de incêndio junto com os bombeiros chegando rapidamente nas áreas com caminhões-pipa, pulverizadores, tratores, colheitadeiras, bazuca, abafadores, sopradores e todos os equipamentos viáveis para o combate ao fogo.
“Muitas vezes, quando o dono da fazenda chega ao local do incêndio, a brigada convocada pelo WhatsApp já chegou e está apagando o fogo. Felizmente, o treinamento das equipes e o engajamento evoluíram tanto que há cinco anos não temos mortos nesses incêndios na região”, diz ele.
No ano passado, a brigada aérea de Rio Verde teve adesão de mais duas empresas de aviação agrícola e agora soma 18 aeronaves que carregam de 500 a 2.000 litros de água. A ajuda pelo céu é garantida nos meses de julho a setembro, quando pilotos e aviões estão ociosos na região. “O problema é que se o vento estiver muito forte, como ocorreu na semana passada, os aviões não conseguem trabalhar.”
A brigada aérea é mantida pelos produtores rurais, mediante uma mensalidade definida pelo porte da propriedade. Ao ser acionado o avião, ainda há o custo da hora de voo, rateada entre os produtores que tiveram suas terras atingidas pelos focos. Segundo Secco, os grandes produtores pagam no total R$ 6.500 pelos três meses. Os médios pagam R$ 4.000 e os menores têm uma taxa menor. A hora de voo varia de R$ 4.000 a R$ 7.000, dependendo do porte do avião acionado.
“Se não tivéssemos brigadas, iríamos ver devastações incontroláveis aqui. A adesão dos produtores está aumentando ano a ano, mas ainda tem muita gente que só quer dar palpite, não vai ao sindicato, não contribui e só descobre o valor da nossa organização quando é contemplado [com um incêndio]”, diz o agricultor, que estima um total de pelo menos 750 produtores grandes e médios na região que ainda não aderiram às brigadas.
Secco afirma que o valor investido na prevenção e no combate é bem pequeno diante dos riscos. “Fiz uma pesquisa e vi que depois do fogo queimar a palhada, as próximas seis safras têm uma queda de produtividade de 8% a 10%. Aconteceu comigo em 2017: o fogo atingiu 350 hectares da minha fazenda e nessas áreas eu deixei de colher 30 sacos por hectare nas seis safras dos três anos seguintes.”
Bahia
Na região oeste baiano, área que inclui os municípios de Barreiras e Luís Eduardo Magalhães e onde se planta muito algodão (cultura bem vulnerável ao fogo), a Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba) organiza brigadas de incêndio terrestres desde 2014 e neste mês de agosto formou sua primeira brigada aérea. Geralmente, as fazendas têm brigadas terrestres próprias, recebem a ajuda dos vizinhos em caso de grandes incêndios e também há casos em que o dono da área contrata brigadas privadas.
“A temporada de fogo está só começando porque a volta das chuvas deve acontecer só entre novembro e dezembro. No ano passado, tivemos mais de 8.000 focos (8.526) na região, que atingiram 28.900 hectares. Felizmente, estão diminuindo os casos de pessoas feridas no combate graças aos treinamentos, mas o fogo causa muitos prejuízos financeiros e ambientais”, diz Enéas Porto, gerente de sustentabilidade da Aiba.
Neste ano, já houve 1.617 focos, com dois incêndios grandes em Barreiras e Luís Eduardo, totalizando 1.150 hectares. Segundo Porto, cerca de 70% dos incêndios são causados por pessoas. É o caso de caçadores que fazem fogueiras, de pessoas que jogam bituca de cigarro no chão ou usam fogo para limpar terreno e perdem o controle das chamas.
A associação decidiu investir no treinamento dos pilotos para reforçar o combate ao fogo devido ao histórico de muitas perdas de lavouras, máquinas e pivôs de irrigação. Na região, há cerca de 80 aeronaves que pertencem às fazendas. Foram capacitados no primeiro curso 18 pilotos que trabalham nas propriedades rurais e ficam ociosos nesta época de entressafra. A brigada aérea foi formada com base na lei 14.406, que permitiu o uso da aviação agrícola no combate a incêndios florestais.
Os custos da brigada são rateados entre os produtores e a associação. Na região, uma hora de voo custa de R$ 8 mil a R$ 12 mil e os aviões da brigada tem capacidade de transportar de 1.000 a 1.500 litros de água. Porto esclarece que o trabalho dos aviões é importante para resfriar a área quando o fogo foge do controle e permitir o trabalho das brigadas terrestres, formada atualmente por cerca de 60 pessoas.
Além de cuidar da articulação do trabalho contra o fogo entre as brigadas, a Aiba se encarrega de fazer a ponte com os bombeiros, que têm 100 homens trabalhando na região, e, depois de rescaldo de três dias, orienta o produtor a fazer um boletim de ocorrência informando sobre área queimada e perdas para ter o respaldo legal.
Brigada privada
Carolina Nóbrega é gerente geral da Aliança, uma brigada privada com mais de dez anos ligada à ONG Aliança da Terra que mantém equipes em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. “A temporada de incêndios já começou. Estamos trabalhando loucamente. Já atuamos em 73 incêndios em matas, na beira de rodovias e em fazendas”, diz.
Ela conta que a Aliança mantém um bom relacionamento com os produtores rurais, que contratam e rateiam os custos. “No início, os produtores tinham ressalvas ao nosso trabalho, mas perceberam que podem contar com a gente. Em muitos casos, nossas equipes chegam antes deles aos focos.”
No Pantanal, a Aliança está atuando desde 2021 em uma parceria com a JBS, indústria de carnes, que banca cinco brigadas, ou seja, os produtores rurais não têm custo algum. No ano passado, foram combatidos 104 incêndios na região. Houve perdas de gado, maquinário e lavoura. Neste ano, o trabalho começou em março, com orientações, estudos técnicos, construção de aceiros e treinamento de mais de 350 voluntários. “Nossos brigadistas encontram muita gente trabalhando nos incêndios sem conhecimento técnico, sem roupas ou equipamentos apropriados.”
Carolina afirma que o trabalho da Aliança, que não conta com combate aéreo, mas monitora focos com drones, é baseado em três pilares: a detecção precoce de fogo por imagens de satélite e leituras de umidade e temperatura; o monitoramento terrestre em áreas com mais potencial de focos e o apoio da comunidade local, que chega a ser mais eficiente na identificação dos focos do que as imagens de satélite. A Aliança também atua como ONG apoiando brigadas de indígenas no Xingu desde 2013, além de assentados e pequenos produtores.
Carolina diz que não dá para ter fogo zero, mas dá para medir o sucesso do trabalho dos brigadistas quando o fogo não evolui para grandes proporções e o esforço coletivo de todos é recompensado. “Não dá para vencer sempre. Na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), por exemplo, tivemos duas equipes combatendo fogo por 13 dias e queimou metade da área de conservação.”
A gerente da brigada afirma que ainda é preciso mudar a mentalidade de quem só investe nas ações de combate ao fogo e não nas de prevenção. “Não tem que contratar brigadistas na época da seca. Todos têm que trabalhar para combater o fogo o ano inteiro.”
Fonte: Revista Globo Rural