Consequências ambientais das espumas de combate a incêndios

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Dos poços de petróleo à distribuição de petroquímicos, sempre há o risco de acidentes que possam resultar em incêndios. Apesar do rigor dos protocolos de segurança e normas técnicas, qualquer erro humano ou qualquer pequena falha mecânica podem ser pontos de partida para grandes desastres. Os incêndios na indústria petroquímica causam enormes prejuízos. As perdas nesses acidentes não estão restritas apenas à infraestrutura e estoque: elas afetam também o meio ambiente. Recentemente, todo o estoque disponível no Brasil de espumas utilizadas no combate a incêndios foi utilizado para extinguir as chamas do acidente ocorrido nos tanques da refinaria de Santos. O incêndio, que se iniciou no segundo dia de abril só foi eliminado após oito dias de trabalho intenso de centenas de profissionais do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo, bem como o auxílio de dezenas de voluntários de brigadas de incêndio da empresas e refinarias vizinhas. O fogo era tão intenso que foi necessária até mesmo a importação de mais dessas espumas para controlar a situação.

As espumas de incêndio foram utilizadas pois em incêndios de hidrocarbonetos e derivados do petróleo não é recomendado o uso de água. A água possui limitações as quais as espumas extintoras foram desenvolvidas a fim de contorná-las. Apesar disso a água do mar foi certamente utilizada dada a proximidade do local ao mar. Embora ineficiente no combate a incêndios, a água do mar presente ali era uma alternativa viável como agente complementar no controle do incêndio pela facilidade de bombeamento e abundância no local. Ainda assim, o uso de espumas extintoras de incêndio melhorou muito a eficácia das operações de combate a incêndio e foi considerado um fator significativo para a realização de uma ação de combate ao fogo bem sucedida. Assim, as espumas formadoras de filme aquoso (denominadas AFFF), utilizadas nesses casos são largamente utilizadas pois compostos fluorados presentes em sua formulação contribuem com a capacidade extintora de incêndio. Contudo toneladas dessas espumas do tipo AFFF são liberadas no ambiente durante as situações de emergência e, portanto, afetam em longo prazo o ambiente mesmo depois que o incêndio é apagado, pois essas substâncias escoam para corpos d’água e permanecem no ambiente por décadas.

A formulação das espumas de incêndio contém substâncias flúor-carbonadas. Devido à estrutura química e à força da ligação entre os átomos de carbono e flúor essas moléculas são altamente resistentes à biodegradação. Por esse motivo essas espumas apresentam prolongada persistência ambiental. As vias de biodegradação das espumas de incêndio por microrganismos são bastante específicas e lentas. Muitos estudos apontam essa propriedade como ponto de partida para uma cadeia de eventos que envolve a bioacumulação e a toxicidade para humanos. A toxicidade desses compostos tem sido discutida na última década como preocupante e tem mobilizado agências reguladoras nos EUA e Europa para discutir limites seguros de liberação.

Na pesquisa de doutorado desenvolvida nos laboratórios do Departamento de Bioquímica e Microbiologia da Unesp de Rio Claro, em colaboração com a Universidade da Califórnia em Berkeley e em parceria com laboratórios da ESALQ/ USP em Piracicaba, foi determinado o potencial de diferentes microbiotas na biodegradação de misturas da AFFF a hidrocarbonetos, e estudado o processo de biotransformação dos compostos presentes na formulação da AFFF. Com isso, foi possível conhecer melhor sobre o impacto dos compostos flúor-carbonados no ambiente com a combinação de metodologias. Foram realizados estudos com a técnica de espectrometria de massa para determinar as vias de biotransformação dos componentes perfluorcarbonados, técnicas respirométricas para estudar a biodegradabilidade da AFFF em associação com hidrocarbonetos de petróleo, bioensaios para determinar a toxicidade da AFFF para plantas e técnicas de biologia molecular para análise metagenômica de alteração no perfil da comunidade microbiana de solo após a introdução da AFFF ao meio.

Foi descoberto que os hidrocarbonetos de petróleo combinados à aplicação de espumas de incêndio influenciaram o processo de transformação de fluorcarbonados, alterando o metabolismo de comunidades microbianas. Isso significa que no contexto da indústria do petróleo o comportamento ambiental dessas espumas pode ser alterado e potencialmente ser agravado pelo cenário de co-contaminação. Em geral, a biotransformação de fluorcarbonados é mais lenta por uma interferência mútua entre hidrocarbonetos voláteis de petróleo e AFFF. Somado a isso, outros compostos ainda não detectados são formados a partir de AFFF quando em casos de co-contaminação com BTEX.

Outra influência da co-contaminação de petróleo e AFFF é a alta produção de CO2 em áreas contaminadas, utilizada como indicador de processos metabólicos e de atividade de microrganismos. Entretanto, este resultado deve ser interpretado cuidadosamente, pois a alta produção de CO2 não é necessariamente um benefício ambiental. Qualquer desequilíbrio na microbiota local pode causar danos ao ecossistema. A atividade dos microorganismos só é maior mesmo pelo efeito surfactante dos compostos fluorados combinados aos produtos da destilação do petróleo bruto. De qualquer maneira, a pesquisa determinou que os solos contaminados com AFFF em altas concentrações são tóxicos para plantas e alteram o perfil microbiano do solo.

Os dados deste trabalho apresentaram uma série de consequências quanto à liberação do AFFF no contexto de incêndios na indústria petroquímica. A liberação de compostos persistentes deve ser evitada. Entretanto, o contexto dessa liberação é o de situações de emergência, em que vidas e propriedades estão em risco. Desta forma, apesar de todas as recomendações, é muito importante realçar o bom senso sobre prioridades, em que a remediação ambiental deve ser colocada em segundo plano a partir que a segurança de seres humanos está comprometida. Não é proposta aqui a preservação do ambiente em detrimento de vidas. Afinal, para esse motivo existem técnicas de biorremediação: recuperar áreas degradadas após a liberação de contaminantes. Contudo, apenas com o conhecimento preciso do comportamento ambiental das AFFFs, apresentadas neste trabalho e em outros na literatura, que protocolos otimizados e potencialmente menos danosos ao ambiente podem ser futuramente elaborados.

Autores: Dr. Renato Nallin Montagnolli e Prof. Dr. Ederio Dino Bidoia
A pesquisa que trata este artigo foi desenvolvida no Laboratório Multidisciplinar de Pesquisas do Meio Ambiente, Departamento de Bioquímica e Microbiologia, Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro, SP, por Renato Nallin Montagnolli (renatonm3@gmail.com) sob orientação do Prof. Dr. Ederio Dino Bidoia (ederio@rc.unesp.br).

3 Comentários
  1. Marcos diz

    Boa noite
    A água dor mar por ter muito sal não interfere com a solução geradora de espuma.

  2. Jucely Damásio diz

    Sistemas de proteção passiva, através de LGE – Liquido Gerador de Espumas, são eficientes no combate a incêndios com líquidos inflamáveis e utilizados em complexos de armazenagem destes líquidos, além das petroquímicas vem sendo aplicados no setor sucroalcooleiro. Recomedável que o PAE, Plano de Atendimento a Emergência, contemple o gerenciamento dos resíduos, não somente de LGE, mas qualquer lixiviado produzido, bem como estulhos e restos de materiais que possuam em sua composição químicos persistentes ao meio.

  3. combate a incendio diz

    Ótimo post sobre combate a incendio!

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